top of page
  • Foto do escritorColo

Sobre mais um dia



Desde que eu vivi um grande processo de encontro comigo mesma, que acho que acontece várias vezes na nossa vida, tudo que vivo passou a estar conectado com meu propósito, com minha essência, com o que sinto que serve como guia mais sábio para colocar-me nas vivências que mais oportunizam servir mais à minha evolução individual, ao mesmo tempo em que sirvo ao outro e ao mundo que fui convidada a estar.


O lugar de contribuir para que toda criança possa existir de verdade.


E importa menos atingir uma meta de “perfeição” (que fui construindo em mim com tantos anos de trabalho no mercado corporativo) ou de “chegar lá” e muito mais o ser inteira, com minha luzes e sombras. E sentir que sou a melhor versão de mim mesma, livre e potente para alcançar o que puder. Nesse sentido, tudo é bem vindo. Não há mais culpa ou vergonha. Medo de fracassar ou de me expor.


Então, hoje, mais uma vez…


Estamos viajando com as crianças há 3 dias. Elas estão ótimas e, ao mesmo tempo, em ritmo de férias. Muita empolgação, dormem menos, se alimentam pior. Pedro se vira bem: o alimento dele é mais a Alma radiante do que a comida no prato ou as horas de sono. Melissa, por sua idade, mas também por característica, não fica bem fora do ritmo. Ela precisa sempre fazer muito esforço e isso faz com que ela fique menos disponível para lidar com frustrações e para cooperar conosco.


Fomos ao mercado e ela não queria colocar a roupa. Um clássico, né?!


Liberei que fosse durante o trajeto, dentro do carro, apenas com a calcinha e que para descermos, ela teria que colocar. Ela aceitou. Estava realmente muito quente. Quando chegamos, ela me olhou e se vestiu, mas eu sabia que era mais pela necessidade de honrar o combinado do que o que seu corpo precisava. Ela realmente estava com calor e era eu quem estava desconfortável dela andar no supermercado apenas de calcinha. Não ela.


Quando chegamos em frente ao freezer ela pediu para tirar a camiseta e eu disse que ali não poderia. Explosão: sono, fome (já que na empolgação ela se alimenta menos do que precisaria), cansaço, calor e a frustração de não poder ficar pelada. Começou com um acesso de raiva e, em segundos, estava batendo pés, gritando, tentando se jogar no chão. Thiago, Pedro e minha avó tentaram ajudar, mas em vão. Eu sei que quanto mais falarmos, nessa hora, pior é. Ela precisa liberar essa raiva toda, o cansaço, a tensão. Precisa de espaço. Pedi que fossem fazer as compras e me deixassem com ela. Eu realmente queria ajudá-la e estava bem para apoiá-la a se acalmar. Ela não iria tirar a blusa e eu tinha tempo.


Mas de fato, os gritos estavam um escândalo. Muitos olhavam, quase todos me fuzilando. O show durou, ao todo, uns 5 minutos.


De repente, do meio da gôndola, alto o suficiente para que eu escutasse em meio aquela gritaria na minha orelha:

- Ai! Dá um tapa logo nessa criança!

Olhei e vi um homem, mais ou menos 40 anos. Algumas pessoas sorriram para ele, outras nem ligaram. A raiva subiu e gritei de volta:

- A filha aqui é minha e eu não pedi sua opinião sobre como cuidar dela.
- É, mas óh!

E apontou para os ouvidos com uma cara meio de raiva, meio de nojo.

- Pois é. Você também está gritando o que quer e eu não estou indo ai te bater.

Ele seguiu em frente, tentei achar o Thiago, sentei e acolhi a Melissa nos braços, com força e resistência dela. Ofereci o peito e ela mamou. Olhei para ela e pensei, em segundos: “É por nós”.


Levantei e segui em direção aos caixas, tentando encontrar o homem.


Encontrei.


Parei em frente a ele, Melissa mamando e disse oi.

- Olha só, viu? Ela parou!
- Pois é. Ela precisa de tempo para se acalmar. Era isso que eu estava fazendo. Dando um tempo para ela. E você não pode gritar em meio ao mercado que eu deveria bater na minha filha. Ela estava com sono.
- Ai desculpe. É que eu estava com dó dela. A gente viu que ela estava com sono.
- Sério? E como você acha que um tapa poderia ser melhor do que deixar que ela se acalme? E mais: você não pode me julgar. Você sabe porque estou aqui? Sabe algo sobre mim? Sobre ela? Então quem é você para julgar e gritar o que eu deveria fazer?
- Está certa. Me desculpe. Eu também estou cansado, trabalhei ontem e aí… quando a gente escuta criança gritar assim, irrita né? (Ele fez aquela cara de nojo de criança de novo)

Nessa hora eu percebi que minha raiva dele estava aumentando. Quanto mais eu sentia que ele “não fez por mal”, mais raiva eu ficava. Não sei exatamente o porquê.

- Olha, de verdade, eu te desculpo. Mas eu preciso falar mais senão eu vou embora daqui com muita raiva de você.
- Você não pode julgar uma mãe. Você não pode falar para bater numa criança. Eu tô com raiva e estou aqui tentando dar um jeito nela. Você estava com raiva e deu um jeito gritando. Ela estava com raiva e estava tentando dar um jeito também. Viu? Está todo mundo cansado. E todo mundo tentando.
- Ofereça ajuda, se afaste, mas não vá julgando e assumindo que sabe o que fazer. Porque você não sabe. Mas você com certeza sabe o que é se sentir julgado e exposto e você fez isso comigo e com ela.

Ele tirou os óculos de Sol, pediu desculpas de novo. Me abraçou com os olhos marejados.

- Você está certa. Me desculpe de novo. Eu moro aqui na 61. Se você precisar de alguma coisa, pode ir lá um dia com ela.

Agradeci. Ainda estava com um pouco de raiva (falando sério), mas já estava tudo bem para o momento. E então, ele disse:

- Você conhece o Prem Baba? Acho que tem a sua cara. Você ia gostar muito.
- Não conheço não… Mas obrigada pela conversa. Obrigada por ter escutado.
- Viu? Se não fosse tudo isso a gente não teria tido essa conversa…
- Se você tivesse me oferecido ajuda, teríamos tido sim.

Nos despedimos com um beijo no rosto. Melissa seguia mamando.


Voltei ao freezer e chorei. Ela me olhou e enxugou minha lágrimas. Eu disse:

- Filha, a mamãe está cansada. Vamos parar de se jogar no chão e gritar. Você já sabe fazer diferente. Você sabe falar. É só pedir meu colo.
- Colo mamãe.

E me abraçou novamente.


Tenho mil reflexões e aprendizados.


Olhar para ela e saber que eu amplio nossa relação, que depois de um momento de tamanho estresse, ela termina com a certeza de que estou ao seu lado, de que estamos juntas e de que eu confio que ela vai conseguir evoluir, é exatamente o que eu acredito que precisamos oferecer às crianças: a certeza do amor incondicional. Dá importância que eles tem na vida. Ela estava grata, cansada, mas comigo. Seguiu fazendo as compras, num misto de autonomia e tentativas de mostrar a mim o quanto ela é “boa” em outras coisas. Eu segui acariciando e beijando muito ela. Eu sei o que é ficar exposta. Sei o que é não dar conta de controlar nossas emoções. Sei o que é ter medo de levar bronca. E sei que quando alguém nos machuca, a gente recua da potência que somos. Preciso dizer a ela que ela é mais!


Olhar para ele e sentir que não viramos amigos. Mas não viramos inimigos.


Sentir que ele não “me pertence" e que foi embora limpo, livre de minhas projeções, de minha dor, do meu medo, da minha raiva e da minha vergonha.


Foi o melhor que eu pude oferecer a ele e a mim. Que nossos dias e energias não ficassem entrelaçados na dor.


Não sei quão calado ele foi na infância.

Não sei o quanto ele já apanhou.

Não sei que dores ele carrega.

Mas sei que não fui eu a dar mais um tapa.

E isso já é muito.


Olhar para mim e chorar o peso de viver a vida que escolho diariamente viver. Por mim. Por meus filhos e por todos que convivem comigo. Um pouquinho de tempo ou um tempão.


Sentir que muitas vezes estou sozinha, mas não sou sozinha. Que há uma força que me enlaça e me autoriza a ser a mudança que acredito. E que horas me pede força, outras doçura, outras grito, outras silêncio. E que eu sou capaz de oferecer todas elas. Não porque sou perfeita ou especial. Mas porque tenho todas em mim. E tenho me colocado diariamente a disposição da vida. E a vida me oferece muito.


Sair orgulhosa de mim por poder estabelecer os limites que não deixam que o outro me despedaçam. Ser tocada, vulnerabilidades, mas não aniquilada. Ser mulher e ser essa força é libertador demais.


Olhar para o Thiago e agradecer profundamente por ser ele. Por ser com ele. Por ser tão respeitada, encorajada e valorizada por ser a mãe e a mulher que sou. Encostar em seu peito e sentir a bondade que tanto me nutre também.


Nossas crianças precisam de amor. E nós também.


Quais tapas você pode deixar de dar?

49 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page